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 Concurso Casa Flip+Motiva premia autores do RS e SP e releva novas vozes na literatura brasileira

Professora Carolina Panta (RS) e o engenheiro Leonardo Previti (SP) apresentarão os seus contos na programação da Motiva durante a Flip, que começa em 30 de julho

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written by Motiva, on 22/07/2025

Contos vencedores do concurso serão lidos durante a programação da Casa Flip+Motiva. (Crédito: Charles Trigueiro)


São Paulo, 22 de julho de 2025 – Uma professora do Rio Grande do Sul e um engenheiro de São Paulo são os grandes vencedores da primeira edição do concurso Casa Flip+Motiva, uma parceria entre a Motiva, maior empresa de infraestrutura de mobilidade do Brasil, e Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), revelando novas vozes da literatura brasileira. A gaúcha Carolina Panta e o paulista Leonardo Sanches Previti terão a oportunidade de ler os seus contos vencedores na Casa Flip+Motiva, que faz parte da programação paralela da 23ª edição da Flip, que vai de 30 de julho a 3 de agosto. 

 

Ao todo, 300 contos foram avaliados pelos jurados do Concurso da Casa Flip+Motiva, inspirados no verso “que toda viagem/é feita só de partida”, extraído do poema *v, de viagem*, de Paulo Leminski, homenageado na edição deste ano da Flip. Poeta Curitibano, filho de pai polonês e mãe negra, é considerado um dos grandes nomes da poesia brasileira do século XX. Além da leitura dos contos na Casa Flip+Motiva, os vencedores participarão da Flip com os custos pagos pela Motiva, por meio do seu Instituto.

 

 

Viagens feitas só de partida 

 

Das dores do luto íntimo que ecoam pelas curvas de uma autoestrada à ressignificação poética da memória africana nos engenhos coloniais, as narrativas vencedoras são, como no verso de Leminski, “viagens feitas só de partida”. Foi com esse espírito que Carolina conquistou o primeiro lugar com o texto “Do lado de cá da fronteira”. Professora de Língua Portuguesa formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ela parte da perda do pai para construir uma travessia emocional conduzida por um carro antigo e uma estrada silenciosa.  

 

“Meu conto fala sobre a perda de um pai e sobre a maneira como os que partem continuam nos habitando. Uma presença que se espalha, silenciosa, pelos gestos de quem fica. No centro da história, um carro antigo percorre uma autoestrada em viagem sem volta, em um movimento irreversível de quem segue adiante, mesmo com o coração voltado para trás, revela Carolina.

Carolina Panta

Carolina Panta, vencedora do Concurso Flip+Motiva com o conto “Do lado de cá da fronteira”

Carolina é autora de três romances, entre eles o mais recente Falso Lago (Editora Zouk, 2023), que conquistou o Prêmio Açorianos de Literatura na categoria Narrativa Longa, um dos mais importantes reconhecimentos culturais do Rio Grande do Sul. Também publicou Dois Nós (2019) e Olivetti Lettera 32 (2022). Além disso, participou como escritora convidada em coletâneas de contos, como Quebra-Ventres (2023), Inveja (2024) e Outono 19h (2025). Carolina conta que descobriu o concurso quase por acaso, ao se deparar com o edital em uma rede social. “Como tantas coisas lindas da vida acontecem, foi passando os olhos por uma página literária em uma rede social que vi o anúncio e decidi enviar o conto. O sonho de estar na Flip como escritora me moveu nessa produção”, finaliza a professora e campeã do concurso.  

 

Um engenheiro apaixonado pela escrita 

 

O segundo lugar foi conquistado por Leonardo Sanches Previti, engenheiro civil, mestre pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e consultor ambiental com atuação em projetos na América Latina e na África. Estreando na literatura, ele apresentou o conto “Encruzilhadas Atlânticas”, uma narrativa ficcional que resgata as heranças africanas no Brasil, destacando personagens escravizados e suas manifestações de resistência intelectual e espiritual.   

 

“O conto "Encruzilhadas Atlânticas", especificamente, busca explorar os diversos significados da palavra 'viagem' dos versos de Leminski, seja seu sentido mais superficial de transferência espacial associado à mudança forçada pelo tráfico de humanos, como também o conforto oferecido pela lembrança carinhosa de um passado irrecuperável, mesmo vivendo sob a sombra do horror.”, afirma. 

 Leonardo Sanches

Leonardo Sanches Previti, segundo lugar no Concurso Flip+Motiva com o conto “Encruzilhadas Atlânticas”. Foto: divulgação.

Em seu tempo livre, Leonardo dedica-se à escrita e à música. Apaixonado pela literatura brasileira, tem como referências autores como Lúcio Cardoso, Raduan Nassar, Ana Maria Gonçalves e João Ubaldo Ribeiro. Ele conheceu o concurso por meio das redes sociais de um amigo ligado à Flip e viu ali uma oportunidade para expor sua paixão. 

“Ao ler o edital de convocação, notei que o seu tema contemplava, mediante poucos ajustes, alguns textos que eu venho produzindo desde o início do ano e que compõem um projeto maior em desenvolvimento de um romance sob a perspectiva de dois personagens reais, de gerações distintas, de uma influente família de africanos com origens brasileiras”, finaliza Leonardo.

Novas vozes da literatura

Além do concurso aberto ao público, a Motiva realizou uma edição interna voltada aos seus 16 mil colaboradores, com o objetivo de estimular a leitura e revelar novas vozes dentro da própria Companhia. Dois vencedores foram premiados, Reginaldo Sacramento Ribeiro, analista de Planejamento de Operações da concessionária de rodovias gaúcha ViaSul que mora em Osório (RS), e João Victor Simão de Souza, colaborador da Motiva Rodovias em Jundiaí (SP). Ambos também terão a oportunidade de participar da Flip, com seus contos sendo lidos publicamente na Casa Flip+Motiva.

"Acreditamos que a literatura, assim como a mobilidade, tem o poder de transformar trajetórias, físicas e simbólicas. Com o Concurso Flip+Motiva, criamos um espaço para que novas vozes ganhem protagonismo, ampliando acessos e construindo narrativas. Mais do que reconhecer contos, queremos valorizar talentos e reafirmar que todos merecem oportunidades. É isso que o nosso Instituto faz: democratiza o acesso e amplia oportunidades em todo o Brasil", afirma Jéssica Trevisam, gerente de Responsabilidade Social no Instituto da Motiva.

Democratizando o acesso à cultura 

Essa é a terceira participação consecutiva da Motiva na festa literária em Paraty. Em 2024, lançou a Casa Flip+Motiva, espaço que integra a rede de Casas Parceiras da Flip com uma programação gratuita. No ano passado, o local reuniu mais de 30 autores e especialistas para debater temas como mobilidade urbana, mudanças climáticas e jornalismo literário. Na mesma edição, a Companhia também foi parceira oficial de mobilidade da festa, oferecendo transporte gratuito para mais de 1.500 pessoas de comunidades locais caiçaras, indígenas e quilombolas.  

Em 2025, a Motiva, por meio de seu Instituto, levará novamente uma programação com autores e especialistas como parte da programação da Casa Flip+Motiva, além de transporte gratuito para que a população de 19 núcleos urbanos do município de Paraty acesse mais facilmente a festa literária.   

Além da Flip, a Motiva apoia outras iniciativas literárias, como a Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), em Salvador, a Festa Literária das Periferias (FLUP), no Rio de Janeiro, e a Feira do Livro de São Paulo. Até 2035, por meio de seu Instituto, a Companhia prevê investir R$ 750 milhões em projetos de impacto social, com foco em cultura, educação e literatura. Só em 2025, serão investidos R$ 71 milhões. 

 

Contos na Íntegra

 
1º lugar: “Do lado de cá da fronteira” I Carolina Panta

Me disseram chorar não adianta, então peguei o Fusca 78 debaixo da lona na garagem, engatando marcha como quem soca faca em peito de galinha. E se o carro ainda continua com teu cheiro de sabonete e maresia, quem dirá as roupas no banco de trás, vendidas a três por dez no brechó daqui a algumas semanas.  

A alça de acesso levou à autoestrada em uma subida que fez o carro cacarejar. O ponteiro mal passava dos oitenta, mas a sensação era de que o Fusca boiava em um mar invisível sem que as rodas encostassem no chão. A cidade era agora miúda no retrovisor, e a estrada aberta entre poucos caminhões de tijolos e cegonheiros errantes era o único lugar em que eu não ouvia o barulho da tua ausência. O espelho do lado do passageiro se desfez há alguns anos, carcomido pelo sal, mas nunca nos fez falta. Agora parece que tudo que vem pela direita me pega de surpresa, os carros, o vento, o teu vazio no banco do carona reclamando da minha troca brusca entre a terceira e a quarta marcha. Mas não previ o tempo tornar minha boca mais tua no espelho lateral que sobrou. Nem percebi antes as rugas da minha testa que caminhariam pelos mesmos sulcos da tua expressão.  

A autopista é uma cicatriz traçada entre os morros altos. Cicatriz como a que te dividiu o peito e por onde a mão do médico fez teu coração voltar por um instante a funcionar. Abriram teu corpo como se abriam estradas antigamente: na pressa, na urgência, no risco. Cortaram tua pele com bisturi feito pá, e tentaram reconstruir o que já não queria mais bater. Na emergência, vi teu pé balançar na maca de leve, como quem sonha com chão firme. E depois, nada. Teus dedos já estavam duros quando autorizaram minha entrada, e os lençóis, limpos demais. Me disseram, vai superar, mas não ficaram mais de dez minutos comigo na assinatura dos papéis ou na escolha entre pinus e mogno do teu receptáculo final. Me abraçaram mole, apertaram um pouco meus ombros e logo falaram da maré alta, das chuvas de maio.  

Foram até lá para te ver sendo colocado em um dos tantos cubículos nas paredes santificadas do cemitério, te lembraram em piadas, mas não me ofereceram limpar teu apartamento ou vender o carro. Sacos de lixo doados, me sobraram teus uns poucos casacos de inverno, aqueles de lã uruguaia dos tempos em que teu trabalho te levava para o lado de lá da fronteira, tecido bom, de qualidade. E quando fez o primeiro frio, me agasalhei nos teus sobretudos. E em cada bolso a guardar minhas mãos, um lenço desses xadrezes puídos. Nem sei se limpos, mas bem dobrados e finos pelo tanto uso, cheirando a glicerina.  

Acelero mais. O volante treme. E mais até o motor gritar como se o carro azul geladeira também sentisse tua ausência. Visto tua roupa. A lã uruguaia resiste ao tempo, mas não ao abandono. Lã guardada apodrece. Junta cheiro de armário fechado, de coisa esquecida. Precisa do vento, da pele. E quando o frio veio, o primeiro, o de verdade, aquele que entra pelas frestas do outono, me escondi ali dentro, como se caber em ti ainda fosse possível. Lã não foi feita para ficar dobrada num fundo de gaveta, como teus documentos que não mais abrirão contas em banco ou comprovarão a tua vida para a assistência social. Lã precisa ser usada até gastar. Até perder teu cheiro e ganhar o meu.  

Ninguém mencionou os dias passando, e eu me arquejando frente ao fogo do fogão a lenha como em domingos outros. E coloco no rádio chiado tuas músicas, aquelas das quais eu sempre tinha uma reclamação, aumento o som e quase escuto tua voz emocionada com algum verso a te remeter à infância no interior e a tua saudade dos teus que também já tinham se ido.  

E mais um inverno vem depois da tua partida. E minha mão se esquenta no aconchego dos teus bolsos uruguaios enquanto a outra acaricia o volante que ainda guarda o cheiro do mar e tuas digitais. Em cada parada, dobro teus lenços com cuidado. Te repito. E sigo em uma viagem só de partida. Acho que ainda estás aqui, do lado de cá da fronteira.

 

2º Lugar: Encruzilhadas Atlânticas I Leonardo Sanches Previti 

As primeiras horas da manhã, pouco antes do alvorecer, eram agitadas em Salvador. Os capatazes ainda dormiam quando os escravos despertavam para seus rituais sagrados na penumbra matinal. Murmúrios do Sahel abafados pela algazarra dos maracanãs nas mangueiras e palmeiras das várzeas. Das senzalas, minaretes silenciosos erguiam-se nos engenhos da Baía de Todos os Santos, cujos lamentos desenhavam caravanas pelos canaviais, atravessando as estradas poeirentas da Bahia, as densas florestas de jacarandá que ocultavam quilombos, indígenas fugitivos e jagunços furtivos, as armações baleeiras nas praias de Itaparica, a trilha oceânica aberta por catacumbas e tubarões, as lagunas da Costa da Mina, a lenta subida pelas corredeiras do rio Osun até a fronteira savânica do Califado de Sokoto, território hauçá. Sussurravam entre eles uma língua estranha. Mallam, o Professor, era o mais velho do grupo. A ele cabia escrever as suras que eram repassadas aos novatos e guardadas em amuletos. Lascas de carvão transformavam retalhos de pano em objetos sagrados. Reunia os mais jovens para ensiná-los a caligrafia, o registro preciso da direita para a esquerda, a acentuação, o cuidado com a beleza, e, acima de tudo, atenção à expressão divina que Allah concedeu a cada um dos Seus. Que deixassem a mão fluir em seu ritmo natural, sem enrijecer o pulso. Suleiman praticava os movimentos pensando na negra que vira no rio no dia anterior. Havia uma graça naqueles olhos distantes, a brancura dos dentes que se exibiam na boca entreaberta, os pés arqueados, os seios duros sob a roupa úmida, a água escorrendo por seus braços, sua liberdade. O desejo arrasava qualquer certeza de sua fé. Queria saber se sua voz era como imaginara, sentir seu cheiro, afagar seus cabelos, possuí-la. Jamais havia estado com uma mulher. Considerava indigno gerar uma criança naquele matadouro, um ser que não lhe pertenceria, criado para ceifar o broto da cana outrora cortada por ele. Com essa mulher, entretanto, haveria a possibilidade de quebrar a corrente. Sua mente rabiscava ilusões. Lembrou-se de um sermão feito pelo Professor há algumas noites que dizia que o amor era um luxo para homens e mulheres como eles, mas que cultivá-lo seria sempre uma resistência silenciosa à prisão que lhes foi imposta. O amor, ao contrário das dores imediatas, transcenderia gerações e iluminaria a vida de seus filhos, netos e bisnetos, nascidos livres sob a benção do Misericordioso e Compassivo Deus, o Único, la ilaha ill’Allah, Muhammadur rasulullah. No coração de Suleiman só havia ódio. As palavras do Professor alimentavam o traiçoeiro sentimento da esperança. Quando pregava, fazia questão de misturar ao hauçá a língua árabe, com particular ênfase aos nomes e frases sagradas. Graças aos seus esforços, mesmo aqueles trazidos crianças jamais esqueciam a língua, ainda que alfabetizados em português. Foi assim que Suleiman manteve-se fiel à sua infância abortada. Pouco se lembrava da vida de antes, mas mantinha viva na cabeça a memória das preces que soavam das mesquitas durante o Salá. Agradava-lhe sobretudo a prece do Fajr, na escuridão da madrugada. Não foram poucas as vezes em que, fingindo estar dormindo, acalmava-se com o som tranquilo da reza de seu pai. Ele nunca insistiu quando Suleiman recusava-se a acordar. Deixava-o dormir, haveria muito tempo para ser mussulmi. Pensou no vento fresco que soprava pelos musharabis da varanda nesse horário, carregando o eco das vozes de Kano para dentro de sua casa. O som do berrante à distância interrompeu suas fabulações. Baixou a cabeça mais uma vez, beijou sua sura, guardou-a junto da lâmina metálica escondida sob a esteira e enfileirou-se fora da senzala com os demais, protegido por Allah para mais um dia de trabalho. Fechou os olhos. Um cavalo negro correndo pelas plantações em chamas.

 

Sobre a Motiva I Maior empresa de infraestrutura de mobilidade do Brasil, atua nas plataformas de Rodovias, Trilhos e Aeroportos. São 39 ativos, em 13 estados brasileiros e 16 mil colaboradores. A Companhia é responsável pela gestão e manutenção de 4.475 quilômetros de rodovias, realizando cerca de 3,6 mil atendimentos diariamente. Em Trilhos, por meio da gestão de metrôs, trens e VLT, transporta anualmente 750 milhões de passageiros. Em Aeroportos, com 17 unidades no Brasil e três no exterior, atende aproximadamente 45 milhões de clientes anualmente. Foi a primeira empresa a abrir capital no Novo Mercado da B3 e compõe há 14 anos o hall de sustentabilidade da B3.